sexta-feira, 13 de março de 2009

Antunes Filho





Antunes Filho, como um pensa-dor merece ser lido, visto, aplaudido e divulgado.

"Nelson de Sá e Marcelo Rubens Paiva/ Folha de São Paulo - A sua obra deu um grande salto com "Macunaíma". O que iniciou o projeto?
Antunes Filho - Eu olhei para o espelho em determinado momento, fazendo teatro comercial, e falei: "Não, eu tenho que ir mais fundo". Foi aí que começou. Eu larguei tudo. Foi um corte bruto.

Folha - Mas depois veio um período longo de preparação.
Antunes - Um ano, um ano e dois meses. Começou em 77, estreou em 78.

Folha - O que fez você se interessar por um texto que não era original de teatro? O que havia em Mário de Andrade?

Antunes - Eu fazia um teatro comercial, um teatro show business, e de vez em quando eu fazia umas incursões num outro tipo de teatro, como foi a "Vereda da Salvação", como foi "Peer Gynt".


Folha - "Yerma."
Antunes - "Yerma." De vez em quando eu entrava por um caminho, que foi sempre o caminho do meu coração, em que eu queria dizer uma coisa a mais. Eu vejo muito paralelo, aliás, entre "Peer Gynt" e "Macunaíma". Se eu não tivesse feito "Peer Gynt", talvez não tivesse chegado ao "Macunaíma". Aquela aventura, que vai de uma coisa para outra. Eu fazia corretamente um teatro comercial, mas não estava contente. Isso desde moleque. Eu, quando tinha 17 anos, eu tinha uma revista literária com os amigos e já escrevia uns contos surrealistas. Eu sempre tive um outro lance. Duas coisas foram fundamentais. Desde menino, minha mãe me levava para ver teatro. Mas para ver teatro assim mais comercial, Beatriz Costa, Vicente Celestino. Uma vez a cada três meses ela me levava, aos domingos, ao antigo Cassino Antártica. Depois, a gente achou uma permanente do circo e ia todo domingo, ver os dramas. Isso eu era menino. Já no colégio, a gente fez a revista literária. E depois eu conheci todo esse pessoal do Museu de Arte Moderna, da cinemateca, onde eu fiz um curso com o (Alberto) Cavalcanti, o Ruggero Jacobbi, esse pessoal todinho, ali na ladeira da Memória. Então, eu fazia um teatro comercial que era legal e tudo, mas...


Folha - Você ganhava muito dinheiro naquela época?
Antunes - Que profissão. O teatro nunca foi profissão, nunca deu dinheiro. É que nem futebol. A gente fazia por amor mesmo. E era comercial, mas eu dava um jeitinho de ter uma outra aura lá dentro. Os meus espetáculos ditos comerciais sempre tinham uma coisa a mais. Não ficavam numa eficiência tola. Havia já uma espiritualidade pingando, uma goteira. Quando eu fiz o "Macunaíma", era uma atitude que eu tomava, de não fazer mais aquele tipo de teatro. No "Macunaíma", eu falei assim: "Não consigo olhar para mim, eu não me gosto". Era muito triste fazer aquele tipo de teatro. Fazia sucesso, até, mas não era a minha. E com essa influência toda... No Museu de Arte Moderna, eu convivia com o Volpi, com o Marcelo Grassmann, até hoje sou amigo.


Folha - Maria Bonomi.
Antunes - Maria Bonomi eu até casei, não é? (ri). Foi por aí que eu a conheci. Mas eu era amigo de todos. A gente ficava sempre no bar lá do museu, o Lima Barreto, o Delmiro Gonçalves, Paulo Emilio Salles Gomes, o Lourival Gomes Machado.


Folha - Como foi o curso de cinema?
Antunes - Foi lá que eu vi pela primeira vez a "Joana D'Arc" do Dreyer. Fiquei maluco. Eu falei: "Não aguento. O que se pode fazer". Eu chorava, não acreditava naquele tipo de imagem. E trabalhava já o loucão, como é que chama?

Folha - Artaud.
Antunes - Artaud trabalhava no filme. Foi uma época legal. Eu frequentava todas as companhias estrangeiras que vinham a São Paulo. Passava muita companhia de balé, teatro. E tinha um cara no Teatro Municipal, que até hoje está lá, que deixava a gente entrar. Eu nunca gastei um tostão para entrar em teatro. Eram todos os balés, teatro, a companhia do Cocteau, todos os espetáculos do Barrault, Batiste.


Folha - Há uma presença muito grande do cinema na sua carreira. Você fez um filme. Até o seu teatro você iniciou como imagem, teleteatro.
Antunes - Um dos primeiros filmes do Bergman, eu nem sabia que era dele, eu fui ver, era "Törst" ("Sede de Paixões", 1949). Fiquei louco com o filme. E esse filme eu só fui saber muitos anos depois que era do Bergman. Eu adoro cinema.
"Macunaíma" tinha um...
... arranque.


Folha - Um arranque. Você rompeu com todos os atores tradicionais. Era um grupo de gente desconhecida. Você já estava plantando o seu método?
Antunes - Não. Mas, para poder realizar certas coisas de maneira não convencional, eu precisava começar um tipo de exercício. Não era "vamos fazer um método". Era "como é que se vai conseguir tirar o ator almofadinha?". Eu precisei ir fundo, para poder funcionar. Já na "Vereda", em 64, o legal foi que o Jorge Andrade, um grande amigo que eu tive, topou a parada de fazer a coisa daquele jeito. Ele até estimulava. Quando estreou, foi um escândalo. Naquele tempo tinha escândalo. E isso foi antes das coisas de 68, das coisas da Europa. Era uma coisa intuitiva, que eu tenho, de que faço e não sei por quê. Depois de alguns anos: "Ah, foi por isso". Eu nunca sei porque faço as coisas.
Qual é a herança de "Macunaíma", hoje? Tem o trabalho plástico, inovador, que era usar material...
... pobre. Sem ser teatro pobre, pelo amor de Deus!


Folha - Tinha um método novo, que você está dizendo que não sabia o que era.
Antunes - Método que já tinha começado na "Vereda", de colocar em situação o ator, para ver o que pintava. Improvisar milhares de horas.


Folha - E tinha a coisa literária, de ser um romance.
Antunes - E uma obra literária que ninguém entendia. Todo mundo falava, no colégio, mas era só citação. O que eu acho legal, no "Macunaíma", é que eu consegui decodificar para o público, sem fazer concessão. Eu procurei fazer com que se entendesse a obra. Isso eu achei legal, esse serviço que eu fiz, de facilitar a leitura. Tornar popular, sem vulgarizar a obra. Eu não quero banalizar a obra. Nunca. O meu trabalho é esse, mesmo quando eu corto o Nelson Rodrigues.


Folha - Quem adaptou o texto de "Macunaíma"?
Antunes - Tudo começou com cenas improvisadas. "Dou um capítulo para você, um capítulo para você, pega uns caras aí, umas mulheres, improvisa a cena, improvisa, improvisa."

Folha - Foram atores com quem você fez teste?
Antunes - É, Isa Kopelman.


Folha - Cacá Carvalho?
Antunes - O Cacá também.


Folha - Mas você fez teste?
Antunes - Fiz muito teste. O Cacá entrou no palco, fez 30 segundos, eu falei: "Olha, você é o Macunaíma, pode sentar". Era para ele voltar no dia seguinte lá para a terra dele e, quando recebeu esse convite, ele ficou. Eu queria que o Stênio (Garcia) fizesse, ele tinha feito Peer Gynt, mas na época ele já estava com uns negócios, televisão.


Folha - Esse grupo ficou com você durante um ano?
Antunes - É, ficamos brincando lá no teatro São Pedro. A turma não tinha dinheiro, se virava de tudo que é jeito. A gente ocupou o espaço. Queriam tirar da gente o teatro São Pedro, e a gente falou: "A gente não sai, o teatro é nosso agora". Queriam colocar shows. "Ah, chega de shows, o teatro é nosso." Aí eles entenderam e deixaram a gente ficar. E estreamos.


Folha - E a construção do texto?
Antunes - "Você vai fazendo, improvisa dentro daquilo que está escrito." Aí alguém escrevia. A gente avançou assim, cena por cena. Quando juntou mais ou menos tudo, dava seis horas de espetáculo. Aí a gente chamou o homem que estava vertendo para o francês, Jacques Thiériot. "Fica ali na mesinha escrevendo", outro ficava fazendo a cena, e foi assim. Foi assim que foi criado, na base da improvisação o tempo todo. E depois eu precisava armar também as cenas, para dar o fluxo. Eu dava, aí ele pegava e colocava dentro das especificações solicitadas pelo senhor Mário de Andrade.

Folha - Por que você se interessou por "Macunaíma"?
Antunes - A idéia do "Macunaíma" sabe quem deu? Foi o próprio Jacques Thiériot, na mesa do Gigetto (restaurante em São Paulo). Foi aí que eu fui pegar. Eu peguei e li.

Folha - E o que você viu em "Macunaíma"? Você já viu alguma relação com "Peer Gynt"?
Antunes - Não, nenhuma. O "Peer Gynt"... Eu gosto muito do Ibsen, me encanta. É um dos autores de que eu mais gosto. Eu até fiz na televisão. Eu adoro os personagens. São visionários, são proféticos, tudo maluco. O Macunaíma me encanta, também, se não o senso de... O Mário de Andrade, ele se inspirou no Oswald de Andrade. Tanto é que tem passagens da vida do Oswald que ele coloca como Macunaíma.

Folha - Você acha que o próprio Macunaíma tem algo de Oswald de Andrade?
Antunes - Eu não posso falar "tenho certeza", porque aí vem o pessoal lá da USP criticar, mas tem coisas da vida do Oswald que ele tenta colocar. Sabe aquelas coisas meio levianas do Oswald de Andrade? Ele coloca tudo no Macunaíma. Que não é o mau-caráter. É o sem-caráter, que não tem memória. Ele vai em frente. Ele está indo para cá, vê um negócio lá e muda. É bem o brasileiro, irresponsável (ri). Sem querer, através do "Macunaíma", eu cheguei a coisas, através da indiaiada brasileira, dos mitos brasileiros, depois Nelson Rodrigues, isso tudo foi me levando para os arquétipos, para um tipo de literatura de análise das religiões, Mircea Eliade. Depois veio Jung.


Folha - "Macunaíma" foi uma peça de pesquisa?
Antunes - Muita pesquisa, muito vídeo, tudo que é livro, milhões de fotografias. Índios também, quando vinham para São Paulo, a gente trazia para o ensaio. Os irmãos Villas-Boas também foram de muita ajuda para a gente. Foi um trabalho duro de pesquisa.


Folha - O diretor norte-americano Bob Wilson apresentou "Vida e Época de Dave Clark" no Municipal, em 74, e você foi muito veemente.
Antunes - Eu fiquei gritando lá (ri). É claro que aquilo teve uma certa influência, dos tempos. O Bob Wilson me ensinou que você podia trabalhar com o subconsciente, e isso me ajudou. Foi um passo importante. Tanto é que eu fui o cara que gritou no Municipal. Os jornais falavam mais dos meus gritos do que do espetáculo do Bob Wilson (ri). Eu era maluco. Eu sempre fui muito maluco no teatro. Não era esse teatro comportadinho, em que o público se levanta e vai embora. Eu gritava sempre. Outro dia eu fui ver uma peça do Cacá (Carvalho) e comecei a gritar lá, no fim. Quando eu vejo coisa muito boa, eu não seguro.


Folha - Qual foi o impacto de "Dave Clark" sobre "Macunaíma"?
Antunes - Foi mais essa coisa de que ele paralisa o tempo e obriga você a entrar. Depois, eu vi que quem faz isso muito bem, e que me deixa louco, porque a minha alma e o meu olho emigram, é o Kazuo Ohno. Ele começa a fazer as coisas, e eu não me pertenço mais, eu vou com ele. Passo por ele e vou para outro universo.


Folha - Bob Wilson voltou com "Quando Nós Mortos Acordamos", alguns anos atrás, e você gritou contra.
Antunes - Chato. Depois ele brigou comigo, queria me matar. Mas era uma droga aquilo tudo.

Folha - O que houve, duas décadas depois?
Antunes - Não interessava mais, aquilo era o xerox do xerox do xerox. Eu já tinha visto ele fazer umas besteiras na Alemanha. Ele estava fazendo um "ismo" em cima dele mesmo. Teatro, para mim, é sempre um mergulho no mistério, no desconhecido, sempre buscando o fogo de algum conhecimento do lado de lá para trazer para o lado de cá. É esse Prometeu que eu tenho. Talvez seja influência dos modernistas. A arte é uma forma de conhecimento. Eu não abro mão disso. Não consigo fazer um espetáculo repetido. Me dá um tédio. Se eu tenho que fazer um espetáculo qualquer, sou capaz de fazer, porque tenho muita carpintaria. Mas sabe o que acontece? Ensaio hoje uma cena, "isso é legal". No dia seguinte, acho um tédio.

Folha - O que você prioriza nas suas encenações?
Antunes - Tem que ter sempre uma vertigem. Eu, quando coloco uma marca, tem que ter um sentido para mim. Eu aprendi com o (Adolfo) Celi. Ele dividia o palco de tal maneira... Ele colocava uma figura em cena, e era o lugar certo. Era ali, não podia ser em outro lugar. Os diretores hoje não sabem. O ator pode entrar de qualquer lugar, sair por qualquer lugar. Não pode. O meio é o meio, tem uma razão. Aí entram as artes plásticas. O Celi foi o cara que eu conheci que sabia mais da tipografia do palco. Para você colocar uma pessoa à direita ou à esquerda, no proscênio, você tem que ter um sentido. Se eu coloco duas pessoas aqui na frente, tem um sentido. Não é em qualquer lugar. Se eu me aproximo de você, tem um sentido. As distâncias têm um valor hierárquico. Aproximar, afastar. Eu cuido muito disso. Não é que eu cuido. É inerente, é orgânico. E tem gente que eu vejo hoje, que faz teatro, que não tem o menor sentido. Que faz uma diagonal quando não podia fazer. É uma barbaridade. Depois eu chego: "Está errado tudo". E falam: "Ah, ele está com dor de cotovelo". Ficar com dor de cotovelo, na minha idade?


Folha - Com quem você aprendeu?
Antunes - Eu peguei todos os diretores estrangeiros, trabalhei com eles todos. Eu era assistente do TBC e saí para fazer "Weekend", com a Nicette Bruno, Paulo Goulart. A minha peça fez mais sucesso do que a peça do TBC. No dia seguinte à estréia, voltei para o TBC com as minhas coisinhas e ia buscar café para todos os atores, como assistente de direção. Eu queria aprender. Eu quero aprender. Hoje em dia, sabe qual é o erro de vocês? Vocês elogiam as pessoas, e elas não querem mais aprender. Quando eu fiz sucesso com "Plantão 21", eu pedi uma bolsa para a Europa e fiquei lá vendo os ensaios do (Giorgio) Strehler e conhecendo todos os museus. Eu falei: "Não é hora ainda de fazer". Eu sabia que não estava preparado. O que aconteceu com os diretores novos todos? Vocês incensaram demais e tiraram a volúpia de aprender. Você elogia o cara e ele: "Ah, eu sou o tal". Pronto, acabou. Eu nunca vejo um ator crescer, fazer alguma coisa a mais. Ele vai continuar fazendo aquilo lá, um pouco melhor, por causa dos macetes, mas não através do conhecimento.

Folha - Você falou de passagem de Adolfo Celi.
Antunes - Adorava o Celi. Ele era meio comercial, mas sabia. Eu olhava as marcações que ele fazia, a chamada "mise-en-place", e ficava: "Esse cara sabe". Nem o Ziembinski tinha essa capacidade. O Ziembinski era outra coisa, mais musical. Eu adorava o Ziembinski como ator. Ninguém entendia o que ele falava, mas eu entendia. Ele era ótimo. Falava meio enrolado, mas era excelente ator. Mesmo em "Pega Fogo", em que a Cacilda estava muito bem, eu achei ele melhor. Embora ele falasse um brasileiro polaco (ri), era muito musical. Ele era no som. O Celi era nos volumes, na distribuição dos volumes.


Folha - E Ruggero Jacobbi?
Antunes - Ruggero Jacobbi era a cabeça, o intelectual. Ninguém sabia de Brecht na Europa, e ele estava falando de Brecht aqui.

Folha - Você chegou a ser assistente de Ruggero?
Antunes - De todos eles, menos do belga, (Maurice) Vaneau. Do resto eu fui. Fui do Ziembinski, do (Flamínio) Bollini, fui do Celi, do Ruggero.

Folha - Em que Ruggero influenciou você?
Antunes - Na pesquisa, na inteligência, que eu sempre admirei. E foi ele quem deu chance aos diretores brasileiros. Nós conseguíamos dirigir porque ele dava força aos diretores brasileiros. Eu sou da primeira leva.

Folha - Flávio Rangel veio depois?
Antunes - Flávio já é cria minha.

Folha - Como foi a sua relação com a crítica, nesse início?
Antunes - Do Décio (de Almeida Prado) eu não abro mão. Tenho respeito profundo por ele. Pelo Sábato (Magaldi), também.

Folha - Você acha que o crítico aponta as suas fraquezas?
Antunes - O Décio conseguia me dizer... Sabe o que é? Havia humanidade no que ele escrevia. Mesmo metendo o pau, havia humanidade. Havia: "Vai por aqui, garoto. Vai por ali". A função do crítico é da maior importância. A função social, de ter um crítico para a comunidade, é da maior importância.

Folha - Recebi uma carta de um homem que participou dos seus primeiros espetáculos nos anos 50, que você já descreveu, brincando, como os seus primeiros "Prêt-à-Porter". Eram espetáculos curtos, despretensiosos.
Antunes - Aquilo foi uma introdução ao teatro. Eu não poderia chegar aonde cheguei se não tivesse passado por aquilo. Mas não tinha nada do que tem agora, do método.

Folha - Sebastião Milaré descreve em "Antunes Filho e a Dimensão Utópica" uma das primeiras encenações, talvez até a sua primeira encenação, como "expressionista".
Antunes - Ah, porque na época eu era garotão e eu fui muito influenciado pelo expressionismo. Mesmo nas coisas que escrevia na época, numa revista literária do nosso colega.

Folha - Eu tenho um exemplar. O segundo número.
Antunes - Você está brincando! Qual era o nome da revista?

Folha - "Ponto II".
Antunes - Desenho meu na capa?

Folha - Exatamente.
Antunes - (ri) Como é que você conseguiu isso?

Folha - O seu colega mandou. Ele ficou emocionado de ter visto você falando sobre o seu passado, no jornal.
Antunes - Era muito louco aquilo (ri). Você vai perceber lá que o Gerald Thomas é fichinha perto da minha loucura. Essa loucura toda em que ele está eu já passei aos 17, 18 anos. Como você vê, havia mesmo uma forte influência da escola expressionista nos meus primeiros trabalhos.

Folha - Qual foi o papel de Reynaldo Jardim, nessa época?
Antunes - Ah, ele é um poeta magnífico. Ele, o Nelson Coelho, aquele pessoal todo. Ele era ator também!

Folha - Ele participou das suas primeiras peças.
Antunes - Era tão engraçado. Todo mundo era ator. Nós brincávamos. Você vê que era uma turma da pesada. Eu me orgulho dessa turma da pesada. Esse contato foi vital, na cinemateca, no Museu de Arte Moderna. O (Sérgio) Milliet também, da biblioteca. Falta esse contato, hoje, da molecada com essa "intelligentsia" paulista.

Folha - Na carta, o homem, um senhor agora, descreve como você era na época, como encenador.
Antunes - Como é que ele descreve? Quero saber.

Folha - Ele fala várias coisas, mas o que ele diz insistentemente é que você era muito jovem, mas a intensidade, o fervor do diretor já estava presente. Já estava evidente. Antunes Filho já era Antunes Filho.
Antunes - Está me comovendo, isso que você está me dizendo agora. Na vida, né, sempre... (pausa). É uma força muito grande, essa coisa espiritual. Sempre acreditei nisso. É por isso que não há dinheiro que me compre, que me seduza. Não me seduz. Foram outras coisas que sempre me seduziram. Você pode mandar fazer uma proposta de trilhões. Manda fazer uma proposta de uma televisão ou de outra coisa. Eu agradeço, obrigado. Não é isso. O Sesc me paga razoavelmente, dá para viver, dá para comer. Não preciso de mais nada. Não quero mais nada.

Folha - Por que teatro? Você teve e tem uma paixão também pelo cinema.
Antunes - Ah, as duas coisas, teatro e cinema. A expressão dramática sempre me pegou. A aventura humana sempre me tocou fundo.


Folha - Você falou da "intelligentsia" paulista, de Sérgio Milliet. Havia uma escola...
Antunes - É, o Décio é que comandava.


Folha - Como é que você via o combate de Decio de Almeida Prado e outros, na época, contra o teatro dos velhos comediantes, como Procópio Ferreira, Jaime Costa?
Antunes - Não estava legal mesmo essa comédia que os velhos atores faziam. Eu cheguei a desistir de ver teatro, depois que eu assisti "Deus Lhe Pague" com o Procópio. Independente de ele ser um grande ator, era um comércio, uma coisa que não tinha nem pé nem cabeça, com ponto. Eu vi muito teatro de ponto. Eu era um garoto ainda sonhando e de repente via aquelas coisas. Eu via com horror aquilo. Então, desisti de teatro. Desisti mesmo. Não fosse um amigo meu, Moacir Rocha, que me levou para o Centro de Estudos Cinematográficos... Pouco a pouco fui vendo TBC, Osmar Rodrigues Cruz, a quem devo muito, e aí voltei a gostar de teatro. Mas eu achei aquilo uma casa dos horrores.

Folha - Decio, em particular, mas também grande parte da escola do TBC, tinha um projeto ligado ao Cartel francês.
Antunes - A nossa cultura era toda européia, na época. Era a vanguarda, o Alfredo Mesquita trazendo as primeiras coisas, na Escola de Arte Dramática. Nós íamos e nos deliciávamos com aquilo. Mesmo na minha influência expressionista, sartriana, prevalecia a cultura francesa. Isso já vinha do modernismo. Isso foi muito forte em São Paulo.

Folha - E quanto aos preceitos específicos do Cartel?
Antunes - Do Cartel do (Charles) Dullin, aquele pessoal todinho? Nós adorávamos. Quando eles vinham para cá, (Louis) Jouvet, tudo isso. A influência era grande, de ver o Jouvet em cena, o Barrault. Aliás, sabe por que o Décio me convidou para o TBC? Porque ele viu o espetáculo que eu fiz, "Os Outros", e gostou da minha direção, embora muito expressionista. Foi aí que ele fez o convite para ir de assistente. Para aprender. Isso foi legal. Isso também me comove. Eu não era ninguém, e o Decio vai lá no camarim, me convidar. "Claro, claro." Quero realçar isso: eu fiquei um ano no TBC como assistente, depois fiz sucesso com o "Weekend" no teatro da rua Aurora, mas nem por isso deixei de, no dia seguinte, ir ao TBC continuar como assistente de direção, buscando café. E buscar café para a Cacilda (Becker), o Ziembinski é magnífico (ri). Agora, buscar café para certas pessoas era muito chato. Mas eu ia. Eu tinha que aprender. Tinha que pagar o preço pelo aprendizado. Porque eu queria chegar, um dia, a um lugar em que pudesse fazer uma coisa significativa.

Folha - Voltando um pouco mais no tempo, que influência os seus pais, que vieram de Portugal, tiveram sobre o artista Antunes Filho?
Antunes - Meu pai e minha mãe vieram com uma mão atrás e outra na frente. Era terrível aquela realidade, mesmo tendo terras, mesmo fazendo as próprias uvas, tudo isso. Ele veio para o Brasil e aqui comeu o pão que o diabo amassou. Só depois de dez anos é que veio a minha mãe. (ri) Eu sou o fruto do reencontro. Meus dois irmãos eram portugueses, eu sou o único brasileiro. Eu sempre quis saber essas histórias. Minha mãe me contava, meu pai nunca. Sabe essas pessoas fechadas, do campo? Mas aqui o meu pai, para me ensinar a ser adulto, me colocou como entregador de laboratório. "Tem que aprender a vida." Depois eu fui funcionário da prefeitura, office boy (ri). E andava em tudo o que era prostíbulo e casa de jogo. Fiz de tudo. Não era o (Antônio) Abujamra, fanático, mas jogava tudo o que era jogo. Quanto salário eu recebia na prefeitura que depois deixava todo ele no Jóquei Clube e voltava a pé, eu e os meus amigos! E vivia nos lugares mais terríveis. Ao mesmo tempo em que vivia no meio daquela malandragem toda, no meio de prostitutas, de gays, que na época não eram bem-vistos, eu comecei a frequentar o Museu de Arte Moderna, o Centro de Estudos Cinematográficos do Cavalcanti. Não me arrependo. Essa experiência é que me propiciou dirigir teatro. Foi fundamental a malandragem. Fui muito malandro. Era amigo de ladrão. Mas isso me ajudou, hoje em dia, a me aproximar dos atores e falar da aventura humana, falar dos caracteres, falar como é que é a reação humana.

Folha - Depois de "Macunaíma", você ancorou numa dramaturgia mais tradicional. O alvo já estava estudado, era Shakespeare, Nelson Rodrigues. Por que você não continuou na sua reinvenção de uma dramaturgia?
Antunes - Sabe por quê? Porque todo mundo começou a fazer "Macunaíma" aí fora. Eu saí dessa. Além do mais, uma coisa que eu sempre quis fazer foi Nelson Rodrigues. Sempre quis fazer Nelson Rodrigues no seu valor real, o grande poeta dramático que ele foi. Ninguém reconhecia. Reduziam o Nelson Rodrigues a autor de costumes. E eu vi tudo, no Rio e em São Paulo. Só não vi o "Vestido de Noiva" do Ziembinski, lá nos Comediantes.


Folha - Na sua viagem plástica, com a direção, você se manteve preso a uma dramaturgia mais ortodoxa, Shakespeare, Nelson Rodrigues. Isso era para poder começar a plantar o seu método?
Antunes - Eu não pensava nisso, então. Mas eu fiz muito Shakespeare. Em que momento?

Folha - "Romeu e Julieta."
Antunes - Não, ainda tinha o espírito moleque do "Macunaíma". Era adaptada por mim, era muito livre, muito solta. Tinha asinhas, voava, não era uma coisa rígida, presa. Eu adapto tudo. A única peça que não adaptei muito foi o "Gilgamesh", em que foram as 12 tábuas quase na íntegra. Eu queria fazer um ritual num convento fechado, com cheiro de batina, de vela, de mofo. Não era para palco. Era quase um mistério, dentro de um convento, mas aí tive que fazer no palco.

Folha - Para definir sua visão da dramaturgia, gostaria de perguntar sobre "Xica da Silva".
Antunes - Ah, não deu certo o meu papo com o (Luís Alberto de) Abreu. Eu queria fazer uma comédia rasgada, da boba da Xica da Silva, que pensava que iria tirar proveito. Eu pensava numa comédia, o Abreu pensou numa tragédia, e não deu certo. Saiu uma coisa que não é nada. O híbrido quase sempre é legal, mas não deu liga. A gente brigou feio, na época.

Folha - Na época, o seu método estava quase lapidado, ou não?
Antunes - Eu estava caminhando, numa etapa. Não era o método. Tinha mais uma ideologia, alguns passos. Mas não tinha alcançado as estações. Não, não.


Folha - A impressão era que você estava procurando desenvolver uma relação com uma nova dramaturgia.
Antunes - Eu sempre quis, mas não podia fazer. Depois entendi que não era possível fazer uma nova dramaturgia. Não dava certo. Não vai surgir uma nova dramaturgia enquanto não houver o ator novo. É como em pintura, em poesia também. Você lê um Fernando Pessoa, você vê um Cézanne, um Leonardo da Vinci, eles nunca estão na superfície. Você vai afundando, lá embaixo é que vai ver o artista. Eu sou muito maluco. Quando vejo Leonardo da Vinci, começo a olhar e, através do esfumaçado dele, vou passando por ele e, no fim, vejo a cara dele, sempre. Ele me olhando (ri). Nos grandes artistas, eu consigo ver o olho do artista. Uma obra de arte nunca está na superfície. É aquilo que o Eco diz: uma obra é mais artística quanto mais conotativa ela for. É óbvio.

Folha - E a dramaturgia?
Antunes - Eu acho que, se você escrever um texto para valer, você dá para essa molecada fazer, para esses diretores, e eles vão fazer uma gritaria. Não vai sobrar nada. Eu vou fazer um Shakespeare, posso até entender, mas não consigo falar aquilo de maneira correta, no palco. E o que acontece com o diretor? Você coloca um penico na cabeça do ator e dá uma vassoura. Porque a peça tem que ser levada. Foi aí que o Shakespeare começou a ser "clownerie". Porque não se conseguia resolver dramaticamente o jogo. Faltava a técnica. Não a técnica no sentido que a minha geração tem, "ah, a técnica empobrece, é uma camisa-de-força". Não, eu vi que sem técnica você não consegue desenvolver sua sensibilidade. Sensibilidade é cultura. Todos nós temos sensibilidade, mas para desenvolvê-la precisa de cultura.

Folha - O autor novo depende de um ator com técnica?
Antunes - Não há possibilidade de surgir um novo autor brasileiro, além do Nelson Rodrigues, enquanto você não tiver o ator novo. O ator vai dar segurança ao autor. Ele precisa de ator. Se você pegar um texto e der para a molecada fazer, vão ficar fazendo palhaçada, fazendo bobagem. É chato, e não vai sobrar nada do texto. O texto só serve de pretexto. É um pretexto para que façam lá umas acrobacias, umas formas bonitinhas, teatrais, umas estéticas consumistas.

Folha - Desde 90 a sua dramaturgia tem sido heterodoxa. Você até chegou a transformar a língua, criar uma língua nova. Folha - A palavra, para você, não fazia mais sentido. Só o som. Por quê? Como você chegou à conclusão de que o foco é o ator, não o texto?

Antunes - Eu tentei fazer duas tragédias, "Medéia" e "Antígone". As pessoas iam falar, e não dava samba. A não ser que eu colocasse a vassoura na mão e o penico, para ver se a coisa funcionava. Eu sempre achei o português uma língua eufônica. Mas no palco eu acho uma porcaria. Pedras, pedras, pedras. Dói, dói. A projeção da voz é feia. Eu gosto de música, gosto de coisa eufônica. Não aguentava mais. Eu falava: "Tenho que me retirar da língua portuguesa, para voltar depois. Tenho que começar tudo do zero". Daí o fonemol. Além do mais, teve o Muro de Berlim. Eu tinha que recontar a história da humanidade, ação e reação não dava mais certo. Isso só provocava um dominó que deu no que deu este século.
Então, o mito do Chapeuzinho Vermelho era para que as pessoas... Todos nós temos todas as personagens dentro da gente. Temos todos os seres humanos, todos os arquétipos. A gente tem o Hitler, tem o Stálin. O importante é você, pela civilidade, conseguir colocar o mal no lugar. Foi aí que comecei. Eu falava: "Não vamos matar o bandido, vamos colocá-lo no lugar certo". Tudo isso aí vem de lendas, do Oriente, de colocar o bandido no lugar certo, sem matar. E qual era a história mais popular do mundo? "Chapeuzinho Vermelho." Eu ia começar ali a ética: "Esse lobo fez isso, então vamos matar? Não. Vamos colocá-lo de castigo, no fundo do mar". Nas fábulas orientais, o mal você coloca no fundo do mar. Eu falei: "Vamos colocar no céu, em vez de matar. Não adianta fazer ação e reação que vai voltar tudo aos crimes, aos genocídios que aconteceram no século".

Folha - E o fonemol?
Antunes - Eu queria usar uma linguagem pré-mítica, uma pré-linguagem, e dar autoria a cada espectador. Com o fonemol, você pode imaginar o diálogo que quiser. Foi isso que tentei. Ao mesmo tempo, tentei me afastar um pouco da língua portuguesa, para depois me reaproximar de outra maneira.

Folha - Não é assustador fazer um espetáculo em uma língua inexistente e as pessoas entenderem? Você conseguiu provar a sua dúvida de que o texto é desnecessário.
Antunes - Não, mas tinha o texto de cada espectador. Você lia com a sua sintaxe, eu lia com a minha sintaxe. Eu criava a situação, mas o texto quem criava era o espectador. Aí também entra o Bob Wilson. É trabalhar com o subconsciente e o inconsciente de cada um. Isso eu aprendi muito bem foi com o Kazuo Ohno. Cada vez que eu o vejo, a minha alma emigra. Eu saio do lugar e vou não sei para onde. Depois, no fim, eu volto. É meio xamânico o troço dele. Ele me leva para viagens estranhas. É xamanismo puro.

Folha - Para onde você está indo, na dramaturgia? Você largou os romances, teve uma época em que você queria fazer "Os Sertões" e também falava muito em Guimarães Rosa.
Antunes - Eu fiz o Guimarães, que não foi entendido. Fiquei fulo da vida. Até eu fazer o "Augusto Matraga", a crítica não conhecia Guimarães Rosa. Quando se fazia, era um bangue-bangue. E, na verdade, o Guimarães é uma viagem ao fundo da alma. É uma viagem interna. Eu acho que a sintaxe todinha do "Grande Sertão: Veredas" é um monólogo dele com ele mesmo. A sintaxe fica torta, porque ele está perturbado, porque está querendo se saber. É um processo de autoconhecimento. Mas estavam acostumados a ver Guimarães no lado externo. Foi por isso que inventei a expressão "ser tao". Não é sertão, é "ser tao". E você sabe que ele era um homem que tinha uma certa tendência, muito cuidado com essa palavra, esotérica? Todo mundo sabe, menos a nossa crítica, que acha que ele é bangue-bangue.

Folha - E Nelson Rodrigues?
Antunes - Posso falar a verdade? Adeus, Nelson Rodrigues, estou em outra. Agora eu quero do círculo de dramaturgia do CPT (Centro de Pesquisa Teatral) para frente. É a nova dramaturgia. Daqui a pouco eu vou ajudar os textos já escritos lá, de peça de um ato, pequenas ainda. Devagar, com pouca gente, duas, três personagens, depois vai aumentando. É assim que se chega lá. Se eu quiser chegar no fim, já, não vai sair nada. Então, eu estou brigando para o pessoal de dramaturgia ir devagar, lento.

Folha - Quando você começou a consolidar o seu método?
Antunes Filho - No "Prêt-à-Porter" eu vi que primeiro precisava limpar o ator, através do processo de corpo e através da mente, da sensibilidade. Tirar o ator de uma grosseria, da ansiedade, deixar ser mais simples, de ser estereotipado. Noventa e oito por cento do teatro brasileiro é estereotipado. As interpretações são estereotipadas. O estereótipo é uma coisa morta. Você coloca a máscara e aquilo não funciona, é morto. Quando um ator está no palco, ele pensa que está com sentimentos. Mas ele não está com sentimentos da personagem. Os atores que eu vejo em cena quase nunca estão colocando o sentimento programado para a personagem. Estão colocando o confinamento, a ansiedade, a angústia de estar no palco. Porque para isso precisa educar o ator. Quer queira, quer não, por mais tolo que possam achar, o músculo conta. Se eu ficar com o ombro duro, já vou para a projeção e perco a sensibilidade.

Folha - Com "Prêt-à-Porter" você alcançou a sensibilidade?
Antunes - O "Prêt-à-Porter" é a busca do afastamento, para chegar à sensibilidade. O afastamento nada mais é do que "saia da paixão e vá para a sensibilidade". Se você ficar tomado de emoção, fica travado. Mas o "Prêt-à-Porter" ainda não é a sensibilidade plena, que o ator só vai poder alcançar com a colocação vocal. Corpo e voz são uma coisa só. Não adianta só ensaiar voz, que não vai resolver; não adianta só ensaiar corpo. Tenho que ensaiar as duas coisas. No "Prêt-à-Porter" ensaiei muito corpo, mas havia muita ansiedade ainda. Para mim, a voz é a coisa fundamental do teatro. Estou chegando agora a essa conclusão, com "Fragmentos Troianos", embora as pessoas não saibam ler e estejam estranhando o espetáculo. No início, nos primeiros dias, a maioria era contra esse tipo de voz. Agora, já mudou. Estão vendo a eufonia da língua portuguesa. Porque não é mais feito com projeção. É feito por ressonância.

Folha - Como é a ressonância?
Antunes - Na projeção, é a consoante que leva a vogal para você. Na ressonância, é a vogal que leva a consoante. A consoante é impressa na vogal. E é tecla por tecla. No coloquial, a gente fala com um impulso só. Agora, não. É de música. A música não está no fim da frase, do teatro clássico que você viu até hoje. Não está mais no fim. Não tem mais isso de você cantar no fim da frase e achar que é clássico, como nós sempre vimos. Não havia um espetáculo que não tivesse a cantadinha no final. Aqui, não. A música é durante. Quando você vai ver teatro grego, é todo mundo igual. Aquela voz empostada, ridícula, que me dói o ouvido. E fica todo mundo gritando. (exaltado) Não vai poder ter texto, o grande texto em profundidade, enquanto não tiver ator falando muito bem. Porque fica uma gritaria, e gritaria por gritaria eu vou escrever para a televisão, fazer porcaria. Agora, na hora em que houver o ator com sensibilidade...

Folha - "Prêt-à-Porter" já anuncia uma nova dramaturgia?
Antunes - "Prêt-à-Porter" é um degrau. Só depois de ter o"Prêt-à-Porter" e depois de ter alguma experiência, depois de os garotos fazerem alguma dramaturgia, é que nós começaremos com o círculo de dramaturgia. E não é uma camisa-de-força. Não vamos pregar Aristóteles, que mata a possibilidade de autor. Se o Aristóteles tivesse existido antes dos grandes trágicos, não existiria a tragédia. Eu sou a favor da retórica, mas não da poética do Aristóteles. Você pode chegar à poética do Aristóteles um dia, mas não de cara. Agora, a retórica é fundamental para o autor e para o ator. Quando falo retórica, é a nova retórica, a metafórica, a da imaginação, da metade do século para cá. Não é de chicaneiro. Porque tem ética. É aí que entra o pensamento oriental. Eu vejo os filmes e mando o pessoal assistir os filmes do (John) Gielgud. Esse cara sabe tudo de técnica, mas dá uma porcaria. Ele está fazendo para ele. É chato, é egoísta.
Folha - John Gielgud, a voz.
Antunes - Sim, mas é uma porcaria, é chato. Quando falo do ator ilusionista, é que ele está iludindo, mas antes de iludir ele tem uma ética. Não é simplesmente gostar daquilo, para o seu narcisismo, para o seu egocentrismo. É um ato coletivo, de festa coletiva. É fundamental uma ideologia. Tivesse o Gielgud ou o (Laurence) Olivier essa ideologia, e eles seriam os atores mais maravilhosos. Mas eles fizeram para eles mesmos. Tanto é que você vê o Olivier, no fim da vida dele, que porcaria. O Gielgud, que porcaria. Fala tão bem, mas não tem para onde ir. É por isso que a ideologia é fundamental, esses livros todos. O ilusionismo é dirigido. O ator ilude, mas é para o bem.

Folha - Você não tem um modelo claro para a dramaturgia, como você tem para a interpretação. Qual é a sua visão da dramaturgia?
Antunes - Cada um é um. Você é capaz de escrever uma peça, ele é capaz. Agora, é preciso dar condições para trazer a sua poesia à tona. Você não tem condições, porque não tem atores. Os atores não têm técnica para isso. Se escrever uma obra profunda, de uma sensibilidade extraordinária, ela vai ser gritada, vai ser um contorcionismo. Com o novo ator, você vai poder escrever até versos, que ele vai dizer esses versos maravilhosamente bem. Sabe para que serve a ressonância? O ator não dá mais o ritmo na garganta. Na projeção, ele dá o ritmo na garganta. Isso é fundamental. Ninguém mais vai ficar com calo na voz, porque o ritmo não será dado na garganta. Aquele cara, aquele negrinho do espetáculo do Shakespeare... Ele falava as coisas mais delicadas do mundo.
Folha - Adrian Lester, em "As You Like It".
Antunes - É esse o método. Ele foi um dos modelos. Eu fiquei nele o tempo todo, na apresentação. Você vai fazer uma cena de "Romeu e Julieta" no Brasil e é tudo sambinha de uma nota só, tudo na garganta. Inglês falando dá o ritmo aqui (demonstra), não dá mais na gargantinha. Foi por isso que eu larguei.

Folha - Você comentou um dia, de passagem, que combatia a entonação portuguesa do teatro brasileiro, herdada dos atores portugueses e que, apesar de não ter mais o sotaque...
Antunes - Como é que não? Doisss, trêsss, pixxxina, "i" em lugar de "e". Isso é coisa de Portugal. É o modelo gutural, alemão, feito por Portugal. O paradigma que se está falando aqui ainda é o português. Ainda precisamos fazer a Semana de Arte Moderna da eufonia da língua portuguesa falada no Brasil. Mas eu vou chegar lá, vou.

Folha - E você contrapõe a isso a entonação inglesa, sem esse tipo de vício.
Antunes - Mas que tem outro vício, que é não ter a ideologia.

Folha - Ao mesmo tempo, é maravilhosa.
Antunes - É maravilhosa! Você pega o inglês, o russo também. É lindo como eles falam. Ali é que está a ressonância.

Folha - Os ingleses chegaram a isso com Shakespeare.
Antunes - Os atores russos falam do mesmo jeito. Os eslavos falam do mesmo jeito. Eu vou fazer Tchecov desse jeito, vou fazer Shakespeare desse jeito. Vou fazer tudo com a ressonância. Tanto é que a menina que faz a Hécuba, em "Fragmentos Troianos", consegue criar uma voz com o arrastado da velha, para dizer que ela é velha, com a ressonância. Isso, em vez de fazer vovozinha. Ela é uma nobre. Ela tem que falar secamente. Ela deve ficar chorando? Se você é chefe, você é seca. Ela não é do povo. Ela é uma rainha, ela não pode ceder, tem que ser dura consigo mesma.
Quando você vê Hécuba por aí, é uma imbecilidade. Fica tudo igual, as carpideiras, o povo, a rainha. Aqui tem hierarquia, tem rainha, tem princesa e tem povo. E cada uma tem seu timbre, seu ritmo. Quando você vê tragédia grega, todo mundo fala igual. Em "Fragmentos Troianos", você não perde um fonema. Quando eu fazia espetáculos, antes, você não entendia frases inteiras. O Sábato (Magaldi) foi o meu maior crítico nesse sentido, e nisso me ajudou bastante. Ele foi um dos propulsores. Agora você entende tudo. Essa é que é a minha batalha. Eu fiquei me dedicando. Fazia estudos sozinho. Nunca tomei uma aula de voz. Fui aprender sozinho, para poder ensinar. Mandava vir umas pessoas para dar aula de voz, e dava tudo errado. As pessoas perdiam a voz.

Folha - Você abandonou o Desequilíbrio, o exercício de corpo que usava tanto, dez anos atrás?
Antunes - Não abandonei. Faço de outra maneira. Estava virando uma coisa mecânica, de ginástica. E as pessoas iam para o palco fazer aquilo. O Desequilíbrio servia para as pessoas lidarem com os músculos, para deixarem os músculos a serviço da sua vontade, não as pessoas a serviço dos músculos. Era para amolecer todo o seu corpo e deixá-lo uma argila, para você fazer o que quisesse com ele, qualquer papel. Era uma maneira de dominar os seus músculos sem ser aquela coisa chata, inglesa, de dizer "esse é o músculo tal".

Folha - Mas o Desequilíbrio foi a base.
Antunes - Ele foi a base, de certa maneira. Com a ressonância, agora, você também pode fazer qualquer papel. Tanto é que a Gabriela (Flores) foi interpretar uma velha nos "Fragmentos Troianos" e criou uma voz de velha. Até perguntam: "Onde é que está aquela velha?". Foi na ressonância que ela criou aquela voz. Ela pode falar 20 horas, que não perde a voz. Pode gritar 200 anos, que não vai perder a voz. E ela pode falar muito baixo, que chega ao fundo da platéia. Desculpe dizer, mas eu vejo as coisas que essa menina faz e vejo os filmes das grandes estrelas da Inglaterra, está ali.

Folha - Voltando ao Desequilíbrio...
Antunes - O problema é que tem atores que ouvem o galo cantar e não sabem onde. Tudo quanto é escola começou a adotar. Eu via atores assim (se contrai). Aí eu parei. Agora eu faço outros exercícios, para conhecer os músculos. Mas eram vários exercícios, o Desequilíbrio, a Bolha. A Bolha era ainda mais terrível. Cortei esses exercícios, porque levavam a erro. Agora vou de outra maneira. O meu método é legal, porque foi uma prática que depois resultou numa teoria. Aprendi através desses anos todos. Não queria fazer método nenhum, nem gosto da palavra, mas eu queria o ator. E precisei desenvolver. Se isso é método, vamos chamar de método, então.

Folha - O seu método é, de certa maneira, uma desconstrução.
Antunes - Você desconstrói o estereótipo físico do ator. A persona. Tento destruir a persona. A pessoa tem que estar ciente de que usa uma persona, uma defesa. Eu tenho que destruir essa defesa.

Folha - Quando você pegou um Raul Cortez, por exemplo, como foi essa relação? Você conseguiu?
Antunes - Da minha relação com Raul eu não posso falar muito, porque ela é muito amorosa, sempre.

Folha - Mas como você encaixou o ator no método?
Antunes - O Raul começou numa época, comigo, e ele é extraordinário. Só que eu fui enveredando por um caminho, e é lógico que ele não foi me acompanhando o tempo todo. Mas foi harmoniosa a nossa relação, sempre. O "Matraga", por exemplo, saiu perfeito, do ponto de vista do trabalho. Se tivesse convivido com ele todos aqueles anos em que ele fez umas coisas, e eu outras, o resultado seria ainda superior, embora já tenha sido excelente.

Folha - Você estava formando atores jovens e, no meio desse processo, entrou um Raul Cortez.
Antunes - O resultado da Laura Cardoso, na "Vereda da Salvação", de 93, também foi extraordinário. O que ela fez me surpreendeu. Foi o melhor trabalho da vida dela, tenho certeza. A gente brigou muito, mas pouco a pouco eu fui levando. Que nem com o Paulo Autran, numa peça do Vianinha. Minha vida com ele foi briga o tempo todo. Chegou um momento em que não conversava mais com ele. Um dia, no botequim, a gente conversou e se acertou. Aí ele fez um trabalho extraordinário, dos melhores.

Folha - O seu trabalho no CPT deixa a impressão de que você exige um compromisso até mais ético do que estético.
Antunes - Eu acho que a ética pertence à estética.

Folha - E com essa exigência você trabalha os atores por um tempo. Quando eles estão prontos, você deixa que partam. É isso, é assim?
Antunes - Claro. O Centro de Pesquisa Teatral é uma praça do Sesc, que tenta produzir alguns, a palavra é pretensiosa, mas é por aí, alguns paradigmas que venham em benefício da sociedade, a médio e longo prazo. São bens imateriais que vão se transformar, em algum tempo, em bens materiais. A minha preocupação é muito grande, de formação das novas gerações. Quando o cara sai do CPT, às vezes ele não está ainda muito preparado. Mas a semente ficou. Eu sempre digo que teatro é arte. Muitos atores fazem teatro pelo sucesso, para se locupletar. Eu tento tirar essa visão. É um pouco aquela coisa do Mário de Andrade, de doação. O lema dele era doação. E eu sou muito Mário de Andrade.

Folha - O "Tao da Física" era um carro-chefe do CPT, dez anos atrás. Ele foi encostado?
Antunes - Não. Foi um movimento de ruptura, mais um, assim como eu não poderia chegar ao taoísmo, ao budismo, se não tivesse antes passado por Jung. O Jung começou muito tarde na minha vida. Foi depois de "Macunaíma". Eu comprei um livro, no Rio, do Mircea Eliade. Li e dali fui para Jung. Antes, o processo nosso tinha, no máximo, Freud, essas reações freudianas, de todos os espetáculos no Brasil. Lendo Mircea Eliade e chegando ao Jung, eu vim a saber o que tinha feito no "Macunaíma", vim a decodificar tantas e tantas cenas. Eram todas arquetípicas. Hoje em dia, no CPT, os nossos atores já leram todos esses livros, pelo menos têm contato.

Folha - Você introduziu agora, no CPT, textos sobre retórica.
Antunes - A retórica entrou para os atores poderem explicar o "Prêt-à-Porter" ao público. Para ter um diálogo sobre uma cena, é preciso ter referenciais, um balizamento. E a retórica deu isso. A retórica ajuda o imaginário, ajuda você a falar, a pensar. Nós estamos fazendo com que os atores pensem. Você está convidado a pegar qualquer um dos atores que trabalham comigo e colocar na parede. Respondem tudo, e de maneira bem razoável. Com o tempo, vai ser melhor. Esse é o primeiro grupo de atores absolutamente independente. Eles dominam a sua expressão, porque têm conhecimento, têm cultura para isso. São eles que têm que levar essa bandeira adiante.

Folha - Você não acha que surge um impasse no ator que começa a ler o texto de uma peça, sendo que ele não tem que ler, mas fazer o texto?
Antunes - Não. Quando você dá um texto, o ator tem que ler aquilo friamente, com cuidado. De maneira racional, não de maneira emocional. Vê a programação primeiro, para saber a função das cenas, causa e efeito. Dentro da programação é que ele vai, racionalmente, conquistando, até chegar ao imaginário.

Folha - Primeiro a técnica.
Antunes - Primeiro a técnica. Teatro é inteligência. Mas, veja bem, eu estou falando em arte. Não estou falando de espetáculos burocráticos, dos diretores burocratas que nós temos. Estou falando de arte, de coisas espirituais, mais altas. E não da funcionalidade, do regulamento. Não, não. Eu odeio espetáculo burocrático, bem-feitinho. Eu odeio aquelas coisas bem ajustadinhas, bem certinhas. Não vem que eu não engulo, não. É por isso que eu adoro o Zé Celso e gosto do Gerald (Thomas). Mesmo que errem muito, eles são artistas. Não são burocratas. É esse o meu amor, a minha admiração profunda por eles. Eu vou ver espetáculos deles, posso não gostar, mas tiro o chapéu e falo: "São artistas". Agora, os burocratas que têm lá tudo direitinho não me falam ao coração. Tudo o que não tiver arte eu acho chato.

Folha - Você cria uma dinâmica ao redor de você, no CPT, que lembra um pouco uma seita. As pessoas cultuam você, com amor e ódio, medo e admiração. Você acha que o diretor tem que ter essa reverência?
Antunes - Não, mas eu até concordo que possa existir isso. As pessoas me admiram e podem até me odiar, tudo bem, mas saibam que eu não estou brincando em serviço. Não há dinheiro que me seduza. Num mundo tão consumista, tão terrível como o que nós estamos vivendo, isso incomoda. Eu faço com que as pessoas se aproximem e se afastem. É lógico, se as pessoas se vendem... Eu sei o que eu quero. Só posso ser feliz se der uma contribuição social. Você pode dizer que eu sou uma personagem ibseniana, utópica, mas o que vou fazer? Tenho um compromisso com aqueles que me assistem. Se tenho privilégios, uma infra-estrutura legal, eu tenho obrigações, deveres. Eu tenho que continuar com o meu trabalho.

Folha - Essa sua utopia é o encontro do ator perfeito, do espetáculo perfeito, do país perfeito?
Antunes - Eu adoro o sublime. A hora em que nós fizermos o ator perfeito, o país será menos imperfeito. A estética altera tudo. É por isso que eu falei que a ética, para mim, faz parte da estética. Tem que ter umas flores. Você melhora, organicamente você melhora. Se é utopia, o que eu vou fazer?

Folha - A construção dessa personagem, dentro do CPT, aponta para uma imagem autoritária, de um personagem que dá o método, que indica bibliografia, aonde deve ir. A arte tem que ter essa figura autoritária?
Antunes - Se você usar esses termos, hoje em dia, para o meu elenco, eles vão se ofender. Se eu sou o primeiro a pedir "faça isso, estude aquilo", estou fazendo de você um igual. Eu quero diálogo.

Folha - Você quer trazer o ator para você?
Antunes - Não, eu estou querendo ajudá-lo a se tornar um cara com consciência. Ser autoritário, para mim, é bater nas costas do outro, jantar nos botequins de teatro, fazer as coisas assim, docemente, e deixar o outro cada vez mais à margem da vida. Eu trago as pessoas para a vida. Pego pessoas que talvez não saibam nada e falo: "Vem". É só você perguntar para as 15 pessoas que eu tenho no meu elenco. Guia, sim, você pode dizer. Mas, nesse Brasil, quem vai ajudar o outro é autoritário... Isso não existe aqui dentro. Pega o telefone de uma das pessoas do elenco e pergunte, detalhe por detalhe, das dez horas que eles passam aqui. Pergunte os mais íntimos detalhes, a respeito do meu comportamento. Você vai ver que é o contrário do autoritarismo. É a favor da liberdade absoluta.
Folha - Houve alguma transferência arquetípica, no fato de você ter montado "Drácula"? De sugar o sangue das virgens?
Antunes - Você quer dizer o quê, com isso? Não entendi exatamente.

Folha - De estar trabalhando com jovens.
Antunes - Vamos pensar? O que você prefere? Eu tenho que passar uma série de exercícios, uma série de livros, para o ator chegar ao que eu quero, a essa utopia. Você vai trabalhar com gente estereotipada, viciada, ou você prefere um jovem?


Folha - Um jovem.
Antunes - O resto são os cães que ladram. E eu não vou dar ouvido a cães que ladram.

Folha - Mas, quando você montou "Drácula", você pensou nisso?
Antunes - Nunca pensei nisso, porque eu não tenho isso. Agora, eu adoro a juventude. Não somente as mulheres jovens, como os homens jovens. Eu adoro, porque é meio celestial. Você acha que eu prefiro uma virago do meu lado? É uma questão estética, também. Uma virago chata, mal-humorada, já toda frustrada, ou um jovem que tenha vida, que dá o encantamento da vida? Os anjos. Só esses hipócritas moralistas é que acham o contrário. E o meu comportamento, apesar de ser uma coisa muito particular, uma coisa só para mim, o meu comportamento é limpo. Não tem canalhice. As pessoas que dizem que existe canalhice são os covardes, os cães que ladram. São aqueles que estão frustrados.
São aqueles que deixaram de trabalhar comigo. Você sabe como é que eu faço um teste? Sabe como é que eu ponho alguém no papel? O ator faz uma cena. O elenco todo assiste, o elenco opina. Não sou eu que escolho. Eu tenho a minha voz, também. Eu defendo certos pontos de vista, ataco certos pontos de vista. Mas sempre é coletivo. Eu, para colocar alguém, preciso conversar com todo mundo. É só perguntar, eles vão dizer. E nunca, na minha vida, favores outros me induziram a levar um ator a fazer tal papel ou aquele. Porque a hora em que fizer isso, eu não vou me respeitar mais. Me dê nome, endereço, RG e mande falar comigo. Eu desmascaro as mentiras. E todo esse elenco que está aí dentro prova. E todo elenco anterior também prova. Não tem favores. Não excluo ninguém. A pessoa se exclui. Eu crio processos. Eu não dirijo a peça mais. Dirijo um processo para fazer uma peça, e todo mundo participa. Não tem nada feito no escuro aqui dentro. Fim."

Entrevista concebida a Nelson de Sá e Marcelo Rubens Paiva para a Folha de São Paulo, no caderno Mais em 06 de Fevereiro de 2000 e retirada integralmente em suas 3 partes do site:

http://www.teatrobrasileiro.com.br/entrevistas/antunesfilho1.htm

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